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Aqui trago algumas reflexões sobre a minha pesquisa sobre o teatro de objetos. Mas antes de falar sobre o processo, preciso dizer de onde veio essa curiosidade. Dentro da minha trajetória no teatro não tive muito contato com o teatro de animação (gênero no qual o teatro de objetos está inserido), mas isso tudo mudou em 2017, quando fui acolhida pela Companhia de Teatro Entre Linhas, de Novo Hamburgo. A partir deste momento, se inicia um novo capítulo na minha vida.


Chego na companhia em uma manhã de sábado chuvosa, no inverno gaúcho. Me deparo com uma casa antiga e sou recepcionada por Alice Ribeiro, sentada na cozinha costurando um banner à mão. Banner esse que ela levaria para Portugal, em poucas semanas.


Ela me explica sobre a companhia e o porquê daquela viagem. Ela iria se apresentar em um festival de caixas de Lambe-Lambe. Eu não fazia ideia do que ela estava falando, mas seguimos a conversa. Falei sobre a minha faculdade e de tudo que vivi lá. Depois, fui convidada para conhecer o espaço, mal sabia eu que aquele lugar se tornaria um lar, um santuário, uma escola de vida.


Me deparo com alguns bonecos pendurados na parede, bonecos de vara, que em outros tempos, haviam viajado o estado do Rio Grande do Sul com o espetáculo A Comédia dos Casais. Tímida com eles, nem cheguei perto.


Tempos depois, Alice me chama para ajudar no novo espetáculo da Entre Linhas, era um espetáculo de atores, que eu já estava acostumada, no entanto, pela primeira vez me deparei com a magia do teatro de animação. Em dois momentos daquele espetáculo, intitulado A Águia e a Galinha, tive a oportunidade de ver os bastidores daquele novo universo que se abria para mim, uma cena com teatro de sombras e outra com a manipulação de um boneco.


Ainda muito tímida, me ensaiava em uma manipulação tosca, escondida, com medo de passar vergonha, por não saber como manipular tais objetos. Tempos depois sou chamada para auxiliar em um espetáculo de bonecos de mesa, que mal sabia eu, seria a porta de entrada para me apaixonar por este universo.


Outros espetáculos vieram, uma performance com um boneco gigante, uma adaptação de um espetáculo de caixa para um tamanho maior, e em todos eles eu tive a oportunidade de participar da montagem, de pensar soluções e principalmente de “atuar”.


Mas aquele outro espetáculo, de bonecos de mesa, denominado Vanda & Reginaldo – em O Reencontro, é que mudou tudo. Fui chamada para uma substituição, e a partir daquele momento manipularia um boneco.


Foi uma decisão difícil de se tomar, porque nunca tinha feito nada parecido, era uma grande responsabilidade e um enorme desafio. O medo me assolava, mas topei.

E quem diria... consegui! Não foi perfeito, mas sei que conseguimos o melhor resultado no tempo e condições que tínhamos.


Com a chegada da pandemia, em 2020, vimos o nosso tão amado espaço cultural desaparecer na nossa frente. A história da Entre Linhas foi guardada em caixa, junto com aqueles bonecos que conheci no meu primeiro dia, e não sei quando os verei novamente.


Esse ano marcado por uma pandemia e por tantas perdas me fez sentir perdida e sem rumo. O que seria da minha profissão nos próximos meses? Como trabalhar dentro desse “novo normal”, que, para mim, não tem nada de normal.


Alguns editais abriram nesse período, mas a grande maioria exigia trabalhos inéditos – num período em que todos já estávamos saturados de criar material em casa, envolvidos de notícias ruins e sem nenhuma perspectiva de melhora.


Foi nesse momento que o Edital Criação e Formação da Diversidade das Culturas me deu uma luz, e surgiu a possibilidade de começar a me adentrar dentro do universo do teatro de animação. Assim nasceu o projeto Ânima, uma pesquisa sobre o teatro de objetos.


Esta pesquisa é meu marco zero dentro do teatro de objetos, parti do zero, sem nenhum conhecimento sobre o assunto. Não pretendo sair desta pesquisa com muitas respostas, quero sair com mais dúvidas, pois uma pesquisa nunca se encerra no prazo final de um edital ou de um TCC, ela perdura por toda a vida de um artista, pois sempre há algo novo para aprender.


E esses são os resultados que obtive até agora.




O QUE É O PROJETO ÂNIMA

O presente projeto consistiu na pesquisa teórica e prática sobre o teatro de animação, focado no teatro de objetos, buscando o aprimoramento dos processos artísticos de todos que tenham acesso ao material divulgado, tanto no âmbito pessoal quanto no âmbito profissional/acadêmico. Paralelo à pesquisa, foram ofertadas, a Oficina Manipulare, com Alice Ribeiro, que tratou de assuntos ligados ao teatro de animação; e a Oficina Iluminare, com Luana Garcia, na qual a artista trouxe alguns conceitos básicos sobre iluminação teatral.


As oficinas estão disponíveis com tradução em LIBRAS, e podem ser acessadas através do blog https://jessicaulmann.wixsite.com/anima além de todo material ofertado durante este projeto.

Este artigo culmina o final desta pesquisa, junto ao vídeo com algumas experimentações. Projeto executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei Aldir Blanc n°14.017/2021.

O TEATRO DE ANIMAÇÃO


Teatro de animação é a arte do irreal tornado real, é o invisível tornado visível (BALARDIM apud AMARAL)


O teatro de animação é um gênero teatral que engloba diversas categorias, como o teatro de bonecos, de máscaras, de objetos, de sombra, ou seja, ele utiliza atores não humanos, e que por sua natureza são inertes, isto é, inanimados.


Ele também é chamado de Teatro Inanimado.


É o teatro no qual o foco de atenção está voltado para um objeto inanimado, e não para o ator. Considera-se um objeto inanimado qualquer matéria inerte, destituída de movimento racional, que ao receber a energia do ator passa a impressão de adquirir vontade própria.


Ao doar sua energia para o objeto, o ator manipulador deixa-se refletir nele. A vida emotiva e racional do objeto, durante o ato teatral, é a presença direta e atuante do ator sobre esse objeto. Ao receber energia, através do movimento, o objeto passa a ilusão de vida própria e raciocínio, simulando a capacidade de pensar, sentir, amar, querer.


Todo objeto pode ser animado desde que se encontre o seu centro pensante, seu centro de equilíbrio. Todo corpo tem esse centro de equilíbrio, um eixo que podemos entender como a espinha dorsal da matéria. É durante a transferência de energia que o objeto também recebe um eixo central e membros, com os quais atua.


Este é um jogo de percepção e escuta entre ator-manipulador e objeto, pois cada máscara, objeto ou boneco, possui um eixo central diferente, com características de locomoção diferentes, que contarão histórias diferentes.


“Os objetos contêm energia. São símbolos. O objeto no teatro é alquimia. Dramatizar com objetos é a arte de transformá-los. Através de suas transformações ou de seus movimentos, cria-se personagens”. (AMARAL, 2011)


O teatro de animação é a arte do irreal tornando-se real. Realidade é o que está em cena, e o que está em cena são objetos, compostos por energia e movimento. Que tocam nosso inconsciente, atingem o nível poético e despertam em nossos outros níveis do sensível.



O TEATRO DE OBJETOS

Antes de chegarmos ao teatro de objetos, vamos entender o que é um objeto.


Segundo Ana Maria Amaral, um objeto pode ser natural ou construído pelo homem. Um objeto natural possui função independente do homem, bem como sua existência. Já um objeto construído pelo homem, terá uma função e existência para servi-lo.


Erwin Panofsky, classifica os objetos em práticos e estéticos. No entanto, Jean Baudrillard criou um sistema de classificação de objetos que pode ser resumido em objetos funcionais e não funcionais, que possuem subclassificações.


Os funcionais, podem ser classificados em artesanais, feitos pela mão do homem, e possuem diferenças entre si; enquanto os industriais, são aqueles feitos em série, tudo neles é pensado para sua função e para garantir sua eficácia.


Baudrilllard ainda vê algumas distinções ligadas a conceitos abstratos dentre os objetos funcionais, como por exemplo, um relógio está ligado à passagem de tempo; um óculos, à sabedoria, à inteligência. Também podemos perceber que as qualidades do objeto como forma, movimento, textura podem suscitar diferentes emoções como, “uma lixa é desagradável ao tato e a seda voluptuosa” (AMARAL, 2011).


Podemos citar Sarane Alexandrian, que classifica os objetos da seguinte forma: Objetos Domésticos (auxiliam nas lidas domésticas, ampliam o gesto humano); Objetos Decorativos; Objetos Manifestos (que demonstram sentimentos); Objetos Poéticos (criados a partir de associações de ideias); Objetos Sagrados (cruz, bandeira, etc).


Todas essas observações de classificações dos objetos são importantes, e devemos levá-las em consideração durante o processo de observação e experimentação dos objetos, para compor a construção dramatúrgica. Dentro do teatro um objeto cria uma força maior; no cotidiano, ele é funcional, no teatro ele ganha significado e signo.


O teatro de objetos é uma vertente do teatro de animação, que antes de ganhar este nome era conhecida como um teatro de bonecos, sem bonecos e com objetos prontos (ready-mades) “onde a manipulação, com todos os seus princípios (...), era muito discreta, não sendo, definitivamente, o mais importante” (VARGAS, 2010). Essas palavras que cito da atriz e manipuladora Sandra Vargas, do Grupo Sobrevento, foram escutadas pelo marionetista francês Philipp Genty.

Na madrugada do dia 2 de março de 1980, três companhias de teatro cunharam o termo “teatro de objetos”, são eles:


- Katy Deville e Christian Cariignos, Théâtre de Cuisine;

- Tania Castaing e Charlot Lemoine, Vélo Théâtre;

- Jacques Templeraud, Théâtre Manarf.


Eram companhias que buscavam criar uma identidade para os espetáculos que vinham fazendo, que não se enquadravam como teatro de bonecos e nem teatro de atores. Essas companhias já trabalhavam com objetos prontos, deslocando-os de sua função original.


Quando falavam sobre o teatro de objetos, era comum existir duas considerações sobre suas especificidades. Para Genty e outros artistas, este gênero é composto por objetos prontos, tirados de suas funções originais, sem a modificação de sua forma, no qual os seus movimentos, juntamente com a dramaturgia e a manipulação, criam a ilusão de um movimento humano, sobrepondo outros objetos e criando a ilusão de um corpo humano. Portanto era defendido que isso não se tratava de um teatro de objetos, mas sim de um teatro de bonecos feitos por objetos. Os artistas que não defendiam este ponto de vista eram chamados de “Marionetistas preguiçosos”, “Que não se davam ao trabalho em construir um boneco”. Esses artistas conseguiram firmar sua opinião e hoje temos o reconhecimento do teatro de objetos, como sendo uma vertente do teatro de animação, com grandes pesquisadores, importantes espetáculos e com um conceito fortemente cunhado.


Hoje podemos delinear de forma mais clara e concisa o que é o teatro de objetos. Para isso, vou usar as palavras de Sandra Vargas:


Segundo Vargas, novos significados podem ser dados aos objetos, sem transformar sua natureza, por meio de associações que se podem dar pela forma, pelo movimento, pela cor, pela textura, pela função do objeto, etc. Todas essas associações de ideias constituem figuras de linguagem e as mais utilizadas são a metáfora, quando se emprega um termo com significado diferente ao habitual, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado, e a metonímia, quando uma palavra é usada para designar alguma coisa com a qual mantém uma relação de proximidade ou posse. (VARGAS, 2010)


(...) o objeto escolhido deve criar no espectador uma associação metafórica que o transforma em uma cosia além do que ele é, sem que deixe de ser o que ele efetivamente é. Precisaríamos, portanto, encontrar um objeto algo que justifique associá-lo à ideia ou à imagem que escolhemos. (VARGAS, 2010)


Nesse sentido, buscamos observar, experimentar, escutar, manipular um objeto para extrair dele a metáfora adequada, para a dramaturgia escolhida ou em construção. Mas antes de chegar a ela, é importante cessarmos as experimentações, a fim de não querer pré-estabelecermos algo ao objeto, forçar algo que está somente na nossa cabeça, pois essa metáfora deve chegar ao espectador.


Cada indivíduo, a partir de sua vivência, sua história e sua classe social construirá sua associação própria, pois essa é a vocação do teatro de objetos, tocar o íntimo de cada indivíduo, mas sempre passando de forma crível a metáfora criada pelo ator manipulador.

No teatro de objetos a técnica da manipulação dá espaço para o jogo, aproximando-se de uma brincadeira de criança. Quanto mais autobiográfico, íntimo e autoral forem a elaboração do repertório, das cenas e da dramaturgia, mais provocador ele se tornará. A técnica aqui está em segundo plano, e dá lugar ao íntimo, indagador, àquilo que ele desperta em nós.

No entanto, há certos aspectos que se deve levar em consideração ao manipular um objeto:

- A capacidade de direcionar o foco do público;

- A escolha de objetos;

- A qualidade dos movimentos, dinâmicas, ritmos.

A seguir apresento um pouco da minha pesquisa teórica, associada à minha pesquisa prática.


MINHA PESQUISA

Como iniciar uma pesquisa?


Creio que todo pesquisador já se deparou com essa pergunta. A resposta que eu encontrei para este questionamento foi: dar o primeiro passo.


E qual foi o meu primeiro passo?


Foi estudar!


Como uma artista que está iniciando uma pesquisa, um trabalho com teatro de animação e teatro de objetos, preciso ler sobre o assunto. Esse processo perdurou por algum tempo. Li livros, artigos, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, assisti a vídeos sobre o teatro de animação, espetáculos etc., para embasar minha teoria.


Durante esse período, peguei uma caixa de papelão e comecei a colocar diversos objetos que encontrava pela casa, sem filtro, apenas colocava dentro da caixa. As leituras seguiram por vários dias, alguns dias parecia que estava entendendo o assunto, noutros parecia que eu tinha desaprendido tudo.


Certo dia decidi fazer meus primeiros experimentos práticos. Peguei a minha caixa e observei os objetos que havia separado:


- Canetas Compactor de várias cores;

- Tesoura;

- Óculos de grau;

- Óculos de sol, sem uma das lentes

- Rolo de papel higiênico;

- Rolo de papel toalha;

- Xícaras (quebradas e inteiras);

- Talheres;

- Cola branca;

- Clips de papel;

- Prendedor de roupas;

- Lapiseira;

- Canetas marca texto;

- Estojo escolar;

- Embalagens vazias;

- Palitos de churrasco.


Depois de preparar os objetos, chegou o momento de me preparar, trabalhando a postura, foco, concentração, aquecimento e fortalecimento dos braços para melhor qualidade de movimento.

Procurei dar atenção às sugestões dos diretores de espetáculos de animação. Estes profissionais normalmente sugerem iniciar com exercícios simples de respiração, procurando perceber a entrada e saída de ar dos pulmões. A partir disso, senti esta vibração suave no corpo, mantendo a coluna sempre reta, numa postura tranquila, relaxada, mas ativa pela respiração.

Nos exercícios experimentados, a percepção corporal e espacialse fizeram presentes em tempo integral. Nos treinamentos realizados, tudo sempre começava pela respiração, postura corporal e decupagem dos movimentos, procurando transmitir a minha energia vital aos objetos, da forma mais orgânica possível.


Após o aquecimento iniciei uma pesquisa sobre os objetos. Cada um possui uma funcionalidade e características físicas próprias que resultam em uma movimentação única, baseada em sua funcionalidade cotidiana. Esse exercício exploratório durou alguns minutos. No entanto, a minha ansiedade e racionalidade tomaram conta, me impedindo de escutar o que os objetos queriam dizer. Isso resultou em uma experiência limitada, na qual construí uma estrutura cênica com a utilização das canetas.


A esta estrutura dei o nome de “Histórias das Cores”, na qual as canetas queriam se mudar de uma “casa” para outra, porém eram impedidas por um frasco de cola, chamado “Senhor Máximo”. Assim, cada caneta, que representava uma cor, argumentava porque sua passagem deveria ser liberada.


Neste processo criativo, me vi atrelada a uma história infantil, muito parecida com “A Cor de Coraline”, de Alexandre Rapazzo. Não excluo a possibilidade de desenvolver melhor este experimento no futuro, entretanto quero mostrar o outro lado do teatro de objetos, desassociando de um teatro infantil e tornando-o atraente para todas as idades.


Nos ensaios seguintes, procurei experimentar outros objetos e seus movimentos, buscando dar voz ao que eles poderiam sugerir e esquecendo a minha racionalidade. Isso resultou em alguns experimentos interessantes, que mostrarei em vídeo.


Percebi que vários ensaios não renderam o resultado que eu queria. Tinha a sensação de estar forçando algo, uma cena, uma história para os objetos. Não dava espaço para eles contarem a própria história. Não conseguia ouvir eles.


A pesquisa sofreu um hiato de alguns dias, mas por uma boa causa, fomos chamados para uma apresentação, com o espetáculo Vanda & Reginaldo – em O Reencontro, o espetáculo que marcou meu começo com teatro de animação.

Voltar para o espetáculo depois de quase 2 anos sem ensaiar foi tão desafiador quanto aceitá-lo fazer na primeira vez. Voltei minha atenção para o estudo do espetáculo, assistindo, tentado me lembrar das marcações e de como manipular os bonecos. Mas admito que não foi fácil. Dores corporais, ansiedade, insegurança.


Isso me propiciou a oportunidade para me afastar um pouco da minha pesquisa, e voltar com outro olhar sobre a prática. Consegui enxergar um pouco da técnica do teatro de animação, que eu utilizava com o espetáculo Vanda & Reginaldo, voltada para o teatro de objetos. E consegui agir e olhar para o meu trabalho de um jeito diferente.


A partir deste momento, pude contar com o auxílio de Carolina Garcia Marques, atriz marionetista, para o desenvolvimento da minha prática com o teatro de objetos, e Alice Ribeiro, atriz manipuladora, me auxiliou com a entendimento do universo do teatro de animação.



AO TRABALHO...

A partir deste novo olhar da minha pesquisa, consegui estabelecer outras relações com os objetos e com a minha prática. Voltei minha atenção novamente para a caixa e reavaliei os objetos que havia escolhido, descartei alguns e inclui outros.


Na primeira observação separei eles por FAMÍLIAS.


A partir do toque e manipulação do objeto escolhido, faço uma EXPLORAÇÃO LIVRE DO OBJETO, e observo algumas características, como:

· Utilidade;

· Textura;

· Cor;

· Tamanho;

· Formato;

· Se era articulado ou não;

· Peso;

· Temperatura;

· Material;

· As possibilidades para criação, entre outras;


Depois, fiz um JOGO DE RESSIGINIFICAÇÃO DO OBJETO, para descobrir outras potencialidades do objeto, explorando outras funcionalidades dos objetos, tirando ele de sua função do cotidiano.

Trabalho com o FOCO. Durante a ação teatral o ator manipulador deve ser capaz de direcionar o foco de atenção do público para si, para o objeto ou para o seu jogo com o objeto.


Como essa era uma pesquisa, que muitas vezes eu seguia sozinha, trabalhar o foco é um pouco estranho, no entanto, com a entrada de Carolina Garcia Marques, foi possível começar a trabalhar este conceito. Não somente a partir do meu jogo com o objeto, mas também pensando no contexto da apresentação, com um ambiente limpo, sem interferência visual.


Outro ponto importante para a experimentação com os objetos é trabalhar a QUALIDADE DOS MOVIMENTOS, RITMOS e DINÂMICAS, pois eles darão sentido para a cena, podendo associá-los à imagem ou a ideia que o ator manipulador deseja.


Para tentar criar alguma cena, depois de passar por todas essas etapas, busquei experimentar a movimentação a partir da funcionalidade do objeto. Cada um traz em si uma capacidade de movimentação a partir do seu funcionamento do cotidiano, para que ele nunca deixe de ser o que ele realmente é.



INSEGURANÇA

A minha pesquisa prática não foi fácil. São muitas questões, dúvidas, inseguranças e cobranças que limitam a minha capacidade de percepção e escuta dos objetos. Muitos questionamentos invadiram a minha mente, trazendo insegurança, ansiedade, autocobrança para entregar um material de qualidade, para dar conta de todo o projeto, além de pensar e roteirizar o vídeo final e organizar as oficinas que aconteceram no início de junho.


Uma mente inquieta pode ajudar na criação de algo novo, mas ela também pode atrapalhar. Recordo muito de uma frase dita por um professor durante a minha graduação: “Não pensa, faz!”, e eu não parei de pensar nisso.


Atuar é escutar o outro. No teatro de objetos isso não é diferente, é necessário escutar os objetos. Eles também contam uma história, cada um sugere algo durante os ensaios. E essas vozes dentro da minha cabeça, carregadas de cobrança, me ensurdeceram e impediram que eu conseguisse escutar com clareza os objetos.


Mas o que fazer nessa hora?


Gostaria de ter essa resposta, tento e luto contra essas vozes todos os dias. O que sigo são os ensinamentos que me passaram durante a graduação: respiração, concentração, trazer a mente para o aqui e o agora, deixar todos os problemas longe da mente e fora da sala de ensaio. Não é fácil, mas faz parte da profissão.


Outra coisa que ocorre dentro de um projeto de pesquisa, criação e desenvolvimento é o famoso “momento de desespero”. Momento em que o artista se sente completamente perdido dentro do seu processo, sem saber para onde correr, qual passo dar, em que direção seguir. Parece que nada vai dar certo. Mas isso faz parte do processo, e cabe a nós, artistas, aprendermos a lidar com isso, cada um à sua maneira.


A EVOLUÇÃO

Para o vídeo final elegi alguns momentos peculiares dessa pesquisa, que consistem na minha evolução dentro desse processo.


As primeiras experimentações foram toscas, com uma manipulação ruim, pois estava cuidando da câmera, objeto, trilha sonora, e não tive o cuidado de pensar no fundo da cena, como pode ser percebido na imagem.


Podemos notar uma mesa, uma parede, um interruptor, a mão da atriz manipuladora, uma tomada, um adaptador de tomada, uma cadeira, e partes de um quadro e de uma caixa. Nada disso fazia parte da cena. O objeto de atenção era o objeto, no caso uma xícara.


Nos vídeos seguintes pensei melhor no meu cenário, e pensei em um local mais neutro. Apoiei o celular de outra forma, na qual eu não precisasse me preocupar com ele, e pudesse focar mais na manipulação. Mas mesmo assim ainda tínhamos um elemento a mais na cena, a atriz manipuladora. A minha presença não fazia parte da cena, não era relevante para o enredo, então precisei pensar em um novo formato para a execução destas experimentações.


E então, chegamos ao experimento final.


A METÁFORA

Trata-se de fazer um jogo de ressignificar o objeto, baseado naquilo que o espectador sabe do objeto. Assim, vemos que não podemos escolher qualquer objeto para expressar a personagem ou ideia que buscamos: o objeto escolhido deve criar no espectador uma associação metafórica que o transforme em outra coisa além do que ele é, sem que deixe de ser o que ele efetivamente é. Precisaremos, portanto, encontrar em um objeto algo que justifique associá-lo à ideia ou à imagem que escolhemos. (VARGAS, 2018)


O processo de criação da cena final começou com um experimento no qual utilizei um isqueiro, uma vela e uma luminária, em uma cena que se aproximava mais com o teatro de animação do que com o teatro de objetos. A relação entre os elementos acontecia a partir da luz que cada um emanava. O isqueiro se acendia, depois ele acendia a vela e por último a luminária se acendia apagando a vela. Havia um contraste entre dois elementos que se ajudavam e outro que os apagava. O conflito entre os objetos existia, mas não existia enredo.

Não satisfeita, continuei investigando e inseri alguns fósforos na cena.



Mas eu me questionava: onde estava a metáfora? O que aquela cena significava para mim? Que mensagem eu queria com aquela cena? Me questionei muito sobre isso. O que significa a luz? Que metáfora está atrás daquelas ações, daqueles objetos? Que metáfora está atrás da luz?


Não conseguia encontrar essa motivação, fiquei alguns dias me questionando sobre essas perguntas. Após uma pesquisa rápida sobre a simbologia da luz, encontrei o conceito de saber/conhecimento, mas isso não encaixava na minha narrativa, nem me motivava para uma criação artística.


Comecei a olhar para os objetos, um mais me remetia a algo antiquado e os outros dois para algo industrial, fruto de um desenvolvimento industrial. E esse contraste começou a gerar algo em mim.


Retirei de cena o isqueiro, e fiz uma sequência de fósforos tentando chegar a vela, mas sendo apagadas pela luminária. E foi neste momento que tudo mudou.


A metáfora nasceu! Ao menos, a primeira.


O fogo significava a minha ancestralidade, os fósforos e a vela eram mulheres, e a luminária representava o patriarcado.


Finalmente eu estava em relação com aqueles objetos, eles traziam algo para mim, eles significavam algo, eles me davam uma motivação, uma história para ser contada. Isso me levou a outra questão: onde EU, JÉSSICA, entrava na narrativa? Era o momento de voltar para dentro da cena.


Com isso vieram mais experimentações. O caminho que trilhei no início, tirando a minha presença de cena, agora era imprescindível, pois agora eu tinha uma história para contar.

Criei uma nova cena, no qual eu acendia uma vela, e usava o fogo de uma para acender a outra, com a narrativa de um texto. Imaginei que finalmente tinha construído a cena final. Mas ainda não. Pois o texto e a cena não faziam sentido juntos.


Pensando na metáfora e no significado dos objetos para mim, veio a imagem da ancestralidade da mulher e da minha própria. O fogo sendo a força que carregamos dentro de nós e que passamos a diante. Na minha cabeça isso tudo estava acontecendo, mas a cena não passava isso. Eu não estava passando a mensagem que estava na minha cabeça, pois as ações da cena remetiam a outras ideias.


Esses dias foram seguidos de vários experimentos, uns eram muito abstratos, outros figurativos demais. Existe uma linha muito tênue entre esses dois erros comuns, e é exatamente nessa linha que eu precisava andar. E esta resposta estava somente dentro de mim.


A investigação rendeu diversos caminhos que eu podia percorrer e desenvolver algum tipo de dramaturgia, dependo da minha motivação. E o que era a minha motivação naquele momento? A finalização do projeto. Neste momento voltei para a primeira pesquisa sobre a luz, a sabedoria. E nasceu a última cena. Ironicamente, eu relato todo esse processo de pesquisa com a celebração da finalização deste processo.


Durante esse caminho com a pesquisa sobre a luz e das fontes luminosas, foi quando eu comecei a compreender o teatro de objetos. Estes experimentos foram enriquecedores para mim, e ver o caminho que percorri, com as primeiras experimentações e onde cheguei valeu todo o processo.

O teatro de objetos é sobre a história de cada um, é sobre se encontrar, sobre escutar.


CONCLUSÃO

Como eu disse no início do texto, não saio desta pesquisa com todas as minhas dúvidas sanadas, vejo o começo de um percurso com o teatro de animação e com o teatro de objetos trilhado, ainda tenho muito para desbravar neste universo.


No início, me detive a uma pesquisa teórica para fundamentar o meu conhecimento e conseguir vincular a minha prática. Posso dizer, com certeza, que não imaginava chegar neste resultado. Pois eu tinha uma outra visão sobre o teatro de objetos, e poder contar o olhar apurado da atriz e bonequeira Carolina Garcia Marques foi o que mudou todo o processo.


Compreender que o teatro de objetos não é somente pegar alguns objetos do meu cotidiano e simplesmente manipulá-los contando uma história. Ele vai muito além, ou muito dentro.


Por isso que o teatro de objetos, por mais que seja uma vertente do teatro de animação, ele difere muito, pois a manipulação não está em primeiro lugar, mas sim a relação do ator-manipulador com o objeto que ele usa.


Construir uma cena, fazendo uma celebração, mesmo com todas as adversidades que encontrei no caminho, é a minha poética dentro deste universo. Uma caminhada de muitos “acender de luzes e ideias” na minha cabeça, que se apagavam com a execução, que me remetiam a outro acender, para no fim, comemorar algo.


O teatro de objetos se tornou uma parte muito importante na minha trajetória pessoal e profissional, a qual eu nunca teria a coragem e a oportunidade de me dedicar como agora, com este edital.


Este é o capítulo 1 de uma grande história que vou escrever.



REFERÊNCIAS


AMARAL, Ana Maria. Teatro de Animação: da teoria à pratica. 3. ed. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2007.

AMARAL. Ana Maria. Teatro de Formas Animadas: Máscaras, Bonecos, Objetos. 3. ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. 2. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.

BALARDIN, Paulo. Relações de vida e morte no teatro de animação. Porto Alegre: Edição do Autor, 2004.

MORAES, Ana Carla Machado de. O ser animado: análise da animação de objetos com referência nas ações básicas de esforções de Rudolf Laban. 2012. 66 f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012.

NUNES. Luís Artur. O diálogo entre teatro de atores e formas animadas: relatos de uma experiência. Móin-Móin – Revista de Estudos Sobre Teatro de Formas Animadas, 1(07), p. 144-158. Disponível em, acessado em 07 de abril de 2021.

VARGAS, Sandra. O teatro de objetos: histórias, ideias e reflexões. Móin-Móin - Revista de Estudos Sobre Teatro de Formas Animadas, v. 1, n. 07, 2010, p. 027- 043. Disponível em < https://doi.org/10.5965/2595034701072010027>, acessado em 07 de abril de 2021.



  • Foto do escritorJessica Ullmann

Lindo ver até onde o projeto Ânima chegou!!!

Tivemos acessos da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Santa Catarina, Pernambuco, Goiás, Paraná, Minas Gerais, Acre, Rio Grande do Norte, Espírito Santos, Maranhão, além do Rio Grande do Sul.

Muito obrigada!




Projeto executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei Aldir Blanc n°14.017/2021.


  • Foto do escritorJessica Ullmann

Chegamos ao final desta etapa. Por enquanto a pesquisa acabou!


Mas esta pesquisa não vai parar aqui, este é o capitulo 1 de algo que desejo dar seguimento, mas por enquanto quero compartilhar com vocês o que descobri até agora.


Este é o artigo final, no qual relato toda aminha pesquisa.

Ânima, uma pesquisa sobre o teatro de objetos (2)
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E o vídeo, com meu relato e algumas experimentações, com tradução em LIBRAS:


Projeto executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei Aldir Blanc n°14.017/2021.

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